Seis organizações ambientais pediram ao Supremo Tribunal Federal que rejeite a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6.446, que foi ajuizada pelo Presidente da República na tentativa de enfraquecer as regras de proteção da Mata Atlântica. A solicitação, que se baseou em argumentos ecológicos, jurídicos e econômicos, foi feita em manifestação de Amicus Curiae (instrumento que possibilita a participação da sociedade civil no STF), assinada pela Fundação SOS Mata Atlântica, WWF-Brasil, ISA (Instituto Socioambiental), Rede de ONGs da Mata Atlântica, AMDA (Associação Mineira de Defesa do Ambiente) e Apremavi (Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida).
Por meio da ADI o Governo Federal busca usar o Código Florestal para restringir o alcance de dispositivos da Lei da Mata Atlântica que exigem a recuperação ambiental de áreas ilegalmente desmatadas a partir de 1990, quando foi aprovada a primeira norma especial de proteção do bioma. O objetivo seria regularizar uma pequena parcela de áreas exploradas pelo setor agrícola, cujas atividades se iniciaram de forma ilícita. Se prosperar, a medida anistiará multas, acabará com embargos e impedirá o reflorestamento de regiões degradadas. Além de estimular novos desmatamentos – por fomentar a cultura do perdão dos crimes ambientais -, o pleito do Governo pode causar danos irreversíveis para o bioma, considerado um dos mais ricos em biodiversidade no planeta e o mais degradado do país.
Ao recorrer ao STF, o Governo tenta reestabelecer o Despacho nº 4410/2020, que foi revogado pelo Ministério do Meio Ambiente pouco menos de dois meses depois de sua publicação, em razão de forte pressão da sociedade civil e do Ministério Público. Tal como a ADI, o despacho, que foi elaborado à pedido do Ministério da Agricultura, visava legalizar desmatamentos ilícitos ocorridos na Mata Atlântica.
Uma série de ações civis públicas e ações populares foram ajuizadas para anular o despacho, uma delas proposta pela SOS Mata Atlântica. Após a divulgação de vídeo em que o Ministro de Meio Ambiente propõe ao governo aproveitar a pandemia causada pelo novo coronavírus para “passar a boiada” e flexibilizar a legislação, o Presidente da Comissão de Meio do Senado Federal e a 4ª Câmara do Ministério Público Federal solicitaram que a Procuradoria-Geral da República investigasse o Ministro por possível crime de responsabilidade envolvendo a elaboração do Despacho 4410/2020, entre outros fatos.
“Querem transformar o STF num consultor jurídico do governo, reduzi-lo a um carimbador do Ministério da Agricultura. O Governo, que não teve força para fragilizar as regras de proteção ambiental, está pedindo para o Supremo concluir a tarefa”, critica Mario Mantovani, diretor de políticas públicas da SOS Mata Atlântica.
“Do ponto de vista jurídico, a ADI sequer poderia ter sido proposta. Pediram para o STF validar o Despacho 4410, mas no dia seguinte o revogaram. Ações diretas não tratam de atos revogados”, explica o advogado Rafael Giovanelli, do WWF-Brasil. “Além disso, a ADI propõe uma discussão entre duas leis, e não entre uma lei e a Constituição Federal. O STF só poderia agir se houvesse uma relação direta com a Constituição. Essa relação não foi demonstrada na ADI”, complementa.
A sócia de SBSA Advogados, Erika Bechara e assessora jurídica da SOS Mata Atlântica, lembra ainda que o STF recentemente sedimentou o entendimento de que os danos ambientais devem ser reparados, independentemente do momento em que foram causados. “Para o STF, a ação para exigir a reparação de danos ambientais não prescreve, isto é, não importa quando o dano foi causado, se foi ontem, ano passado ou há trinta anos, o causador precisará recuperar o meio ambiente. Sendo assim, não há qualquer justificativa para legalizar os desmatamentos feito em desrespeito às regras de proteção da Mata Atlântica”, comenta Erika.
As organizações argumentam que, em razão da grande experiência acumulada e conhecimento produzido nos muitos anos de atuação na área ambiental, elas podem oferecer um conjunto de informações e argumentos úteis para resolução da controvérsia no STF.
O pedido das ONGs incluiu também notas técnicas do Observatório de Governança das Águas (OGA) e do Mapbiomas, que mostram o impacto para a questão hídrica, para as atividades agrícolas e a extensão das áreas que deixariam de ser restauradas se a Lei da Mata Atlântica não for cumprida integralmente.
“A Mata Atlântica é o primeiro bioma brasileiro que conta com uma lei específica, uma espécie de camada especial de proteção, que precisa ser respeitada para que o bioma permaneça vivo”, diz João de Deus Medeiros, biólogo, professor da Universidade Federal de Santa Catarina e coordenador Geral da Rede de ONGs da Mata Atlântica.
Os advogados das organizações argumentam que a ação do governo busca revogar parte de um regime jurídico de especial proteção do bioma Mata Atlântica que está vigente desde 1990 e que não admite a consolidação do desmatamento ilegal.
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