A advogada da SBSA, Camila Gbur Haluch é autora do artigo, publicado na Folha de S.Paulo, intitulado “Há limite para organizações da sociedade civil contratarem prestadores de serviços?”.
Em 2018 o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou lícita a terceirização de todas as etapas das atividades empresariais em julgamento com repercussão geral reconhecida.
A decisão é integralmente aplicável às organizações da sociedade civil sem fins lucrativos que admitirem trabalhadores como empregados, uma vez que a legislação trabalhista equipara tais organizações às empresas.
O STF declarou inconstitucionais os incisos 1º, 3º, 4º e 6º da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, que considerava ilegal a contratação de trabalhadores através de empresa terceirizada, exceto no caso de serviços especializados ligados à atividade meio do tomador dos serviços.
Atividade fim é aquela que constitui o objetivo para o qual a organização (ou empresa) foi criada expresso em estatuto (ou contrato social). A atividade meio, por sua vez, é aquela necessária para o desenvolvimento do negócio, mas que não constitui o seu objetivo final. Pois bem. Com a decisão do STF todas as atividades da entidade sem fins lucrativos, sejam de fim ou de meio, poderão ser terceirizadas.
A maioria dos ministros, dentre eles o relator Luís Roberto Barroso e a então presidente da Corte, ministra Carmem Lúcia, se posicionaram no sentido de não ser a terceirização a causa da precarização das relações de trabalho e que seu impedimento absoluto pode resultar na redução dos postos de trabalho formais.
Ao final, a tese aprovada pelo tribunal dispõe que: “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.
A decisão do STF dá ainda nova força à Lei da Terceirização, sancionada em março de 2017, que já previa a ampla possibilidade de terceirização e vinha gerando polêmicas no meio. A questão que se impõe com a decisão da Corte suscita o seguinte questionamento: existe alguma limitação ao poder de terceirizar?
A resposta não é simples. Muito embora a decisão do STF tenha permitido a terceirização irrestrita, o que ditará a validade e a legalidade desse procedimento é a efetiva inexistência de subordinação entre empregados terceirizados e a organização tomadora dos serviços.
Ao optar pela terceirização, a organização está transferindo para a prestadora de serviços o controle e a execução de parte de sua atividade. Isso significa abdicar da fiscalização direta dos empregados que estarão efetivamente exercendo a atividade terceirizada. Estes empregados estão diretamente subordinados à prestadora de serviços e apenas a esta respondem pelo exercício de suas funções.
Ou seja, a organização que terceirizou os serviços terá apenas o controle indireto das atividades, sejam elas de meio ou de fim. Caso a tomadora de serviços tome para si a fiscalização direta da atividade dos empregados terceirizados poderá tornar inválida a terceirização, configurando a existência de vínculo de emprego.
A subordinação é o elemento mais importante da relação de emprego e se caracteriza pelo poder de comando do empregador em relação à atividade desenvolvida pelo empregado. Esse poder se revela pela obediência do empregado às ordens do empregador, tanto com relação ao horário de trabalho quanto à direção e métodos de execução da atividade.
Na terceirização, esse poder de direção pertence exclusivamente à prestadora de serviços. Eventual desvirtuamento do poder de comando poderá resultar na ilicitude da terceirização e reconhecimento direto do vínculo de emprego dos terceirizados com a organização tomadora dos serviços pela Justiça do Trabalho.
Portanto, ainda que a decisão do STF tenha autorizado a terceirização de qualquer etapa, antes de adotar esse procedimento, as organizações deverão refletir sobre a viabilidade de transferir para um terceiro a execução e a fiscalização de parte de seu trabalho, ciente de que a condução equivocada desse processo poderá resultar no estabelecimento de vínculo de emprego dos terceirizados com o tomador de serviços.
Em suma, a terceirização só é lícita quando não há subordinação direta dos empregados terceirizados à tomadora dos serviços.
É importante destacar ainda que, mesmo sendo lícita a terceirização, a organização tomadora dos serviços sempre terá responsabilidade subsidiária pelas verbas trabalhistas devidas aos empregados terceirizados, ou seja, na hipótese da prestadora de serviços se tornar inadimplente, a tomadora dos serviços deverá pagar os valores devidos a esses empregados.
Nesse sentido, é necessário monitorar os pagamentos realizados, além de ter instrumentos de controle da qualidade dos serviços prestados e da satisfação das pessoas.
O acompanhamento vigilante dos trabalhos realizados, sejam eles terceirizados ou não, impacta diretamente nos resultados.
No caso de parcerias com recursos públicos, a lei 13.019/2014 autoriza o dimensionamento da equipe de trabalho nas suas diferentes formas de contratação, com todos os encargos sociais inclusos, desde que descrito no plano de trabalho. Por isso a importância do planejamento das relações de trabalho antes do início da execução de atividades ou projetos em geral.
HALUCH, Camila Gbur. Há limite para organizações da sociedade civil contratarem prestadores de serviços?. 2018. “Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/empreendedorsocial/2018/12/ha-limite-para-organizacoes-da-sociedade-civil-contratarem-prestadores-de-servicos.shtml?utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwa”. Acesso em: 28 dez.2018.
Artigo publicando na Folha de S.Paulo link:
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