A sócia da SBSA, Stella Reicher é autora do artigo, publicado na Folha de S.Paulo, intitulado “Quem paga a conta da educação inclusiva?”.
A Constituição brasileira afirma que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à educação e colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) regulamentou o tema esclarecendo que a implementação desse direito cabe não apenas ao Estado.
Ou seja, o ensino é livre à iniciativa privada desde que cumpridas as normas gerais da educação nacional e do respectivo sistema de ensino; exista autorização de funcionamento e avaliação de qualidade pelo poder público; e capacidade de autofinanciamento.
Além disso, incorporamos em 2009, com o status constitucional, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência –hoje parâmetro normativo que deve balizar a elaboração de qualquer legislação, política pública, programa ou ação voltada às pessoas com deficiência e à realização de seus direitos.
Em janeiro deste ano entrou em vigor a Lei 13.146 – Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.
Inspirada na Convenção, a nova legislação reafirma que “a educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurado sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem”.
Não obstante o robusto arcabouço legal, o exercício do direito à educação para pessoas com deficiência encontra severas barreiras.
Exemplo disso é a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5357-DF proposta pela Confenen (Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino) no fim do ano passado.
A Confenen pretende que o STF (Supremo Tribunal Federal) reconheça a inconstitucionalidade dos artigos 28, parágrafo único, e 30 da Lei Brasileira de Inclusão.
Portanto, ao STF incumbe a tarefa de decidir se daremos ou não um passo em direção a uma sociedade mais inclusiva.
O artigo 30 trata dos processos seletivos para ingresso e permanência de pessoas com deficiência em cursos de ensino superior, educação profissional e tecnológica.
Ele elenca um rol de medidas que devem ser adotadas por instituições públicas e privadas, como o atendimento preferencial a pessoas com deficiência, a disponibilização de provas em formatos acessíveis e de recursos de acessibilidade e tecnologia assistiva quando solicitados pelo candidato com deficiência.
O artigo 28 elenca responsabilidades do poder público, como o aprimoramento dos sistemas educacionais para garantia de condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem; adoção de projeto pedagógico, serviços e adaptações razoáveis para atender às características dos estudantes com deficiência; e a oferta de profissionais de apoio escolar.
O parágrafo primeiro do artigo 28 estendeu esses compromissos às escolas privadas de qualquer nível e modalidade de ensino, vedando a cobrança de valores adicionais de qualquer natureza em suas mensalidades, anuidades e matrículas no cumprimento das referidas determinações legais.
Segundo a Confenen, estariam sendo violados o direito de propriedade e sua função social; a liberdade de aprender e de ensinar; a liberdade de ensino concedida à livre iniciativa; o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas; e a coexistência de instituições públicas e privadas.
Além do despreparo dos professores e das implicações que isso pode gerar para os alunos com deficiência, segundo a Confenen os dispositivos questionados tenderiam a causar o desemprego e o fechamento de escolas particulares, lançando sobre a iniciativa privada encargos e custos de responsabilidade do poder público.
Eis aqui o grande problema! O custo da inclusão.
É legítima a preocupação de como as escolas particulares irão promover a inclusão sem que isso prejudique sua saúde financeira.
Falar, no entanto, em elevadíssimos custos a serem absorvidos denota não apenas a fragilidade do argumento, mas a necessidade premente de um diálogo aberto envolvendo escola, família e especialistas, para que se entenda o que é inclusão e como as escolas podem se tornar inclusivas.
Tratar a educação com um direito de todos exige o reconhecimento das diferenças e um olhar atento para as necessidades de cada aluno, seja com ou sem deficiência.
Nesse sentido, exige que adaptações razoáveis e apoios sejam providos para que alunos com deficiência usufruam desse direito em igualdade de condições, sem que o respectivo custo seja um sobrepeso no orçamento de suas famílias.
E isso decorre não apenas de um ideal romântico de viver numa sociedade mais justa e igualitária, que reconhece em cada pessoa um potencial humano. Falo isso de uma posição diversa, técnico-jurídica.
A Constituição Federal e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência são categóricas ao reconhecer que o direito das pessoas com deficiência à educação é dever da família, da sociedade e do Estado, ou seja, do poder público e daqueles que na esfera privada promovem a educação. A Lei Brasileira de Inclusão, portanto, apenas reafirmou esse direito.
Não tenho aqui a pretensão de convencer ninguém de que a tarefa será fácil e nem de ignorar os desafios e custos envolvidos. O novo sempre assusta, gera medo.
Mas o fato é que o direito à educação inclusiva é um desafio com o qual todas as escolas, sejam públicas ou privadas, precisarão aprender a lidar.
REICHER, Stella Camlot. Quem paga a conta da educação inclusiva? Folha de S.Paulo. São Paulo. 02 fev. 2016. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/empreendedorsocial/colunas/2016/02/1735843-quem-paga-a-conta-da-educacao-inclusiva.shtml.
Artigo publicado na Folha de S.Paulo link: https://www1.folha.uol.com.br/empreendedorsocial/colunas/2016/02/1735843-quem-paga-a-conta-da-educacao-inclusiva.shtml
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